"A Palhacinha e o Leão
Na noite da
véspera de Natal, o menino sorrateiro como um camundongo vasculhava a árvore de
Natal a procura de seus presentes. Agia rápido como só um garoto em apuros
saberia ser. Caso sua mãe lhe pegasse ali, ele ganharia uma bela surra, mas
perderia os presentes.
E ali
estavam.
Abriu
primeiro o azul, para descobrir nele uma linda palhacinha. Estranhou o presente
e leu novamente o nome no pacote. Xingou, aquele era o presente da sua irmã.
Deixou-o de
lado e abriu o embrulho seguinte, o vermelho, e encontrou um imponente leão de
brinquedo. Seus olhos se iluminaram de alegria, o leão era tão real que ele
quase podia ouvi-lo rugir.
―Uaaaaaaaaaaaaaaaaaaa...
Opa! Não
era o leão rugindo, era sua mãe bocejando e descendo as escadas. O garoto
escondeu os brinquedos no fundo da árvore e fugiu para a cozinha, onde esperava
que sua mãe não pudesse encontrá-lo.
A mãe,
ouvindo a quietude, voltou para o quarto e dormiu.
Era uma
linda e encantadora noite. A véspera de Natal, para quem não sabe, é o dia mais
mágico do ano, porque nele as pessoas desejam e sonham mais intensamente e tudo
se torna possível. Aquele era o momento em que a magia estava no ar, nas ruas
da cidade, nos sonhos das crianças - inclusive nos da que dormia no chão da
cozinha, mas principalmente naquela pequena sala, pois quando a mãe sonolenta
fechou a porta do quarto, os objetos ganharam vida.
O Leão e a
Palhacinha levantaram como que acordando de um longo sono.
―Não
acredito, estou vivaaaaaaaaaaaa! ―Gritou a Palhacinha.
Ela olhava
ao redor admirada com sua nova casa, era tudo enorme! Então ela notou o Leão.
Nunca tinha visto algo tão lindo, seu pelo era macio e brilhante, seus olhos
tão grandes...
―O que
tanto olha criatura? ―Perguntou o Leão em um tom soberano.
―Eu não sou
uma criatura, sou uma palhaça. O que você é?
―Sou o
Leão, um rei por natureza...
―O que é um
rei? ―Perguntou-lhe intrigada.
O Leão não
gostava de ser questionado, como aquela criatura podia não saber o que era um
rei? Todos sabiam o que era um rei!
―Um rei...
bem, um rei... ―O Leão estava desconcertado, talvez por não saber ao certo o
que era um rei. ―Reis servem para... Reis servem para mandar. Eles dizem às
pessoas o que fazer e elas obedecem.
A
Palhacinha pensou um pouco sobre o assunto até chegar a uma conclusão:
―Não parece
divertido. Você manda nos outros e eles obedecem, mas eles não têm opção? E se
você estiver errado? Parece bem difícil...
O Leão
rugiu tão alto que todos os enfeites da árvore estremeceram.
―Reis nunca
erram!
―Tá bom,
não precisa se aborrecer. ―A Palhacinha ainda tapava os ouvidos com as mãos.
―Não está mais aqui quem falou.
Ela começou
a andar, estudando a sala. Ouvia sons vindos de todos os lados, havia vida em
todo lugar. O Leão a seguiu, contudo logo tomou a frente, afinal reis nunca andavam
atrás de ninguém.
À medida
que andavam, as criaturas ao redor, principalmente as fadas da árvore de Natal
cochichavam, riam e os olhavam.
―Do que
elas estão rindo? ―Perguntou a Palhacinha.
―Não
importa.
―Importa
sim! Fazer as pessoas rirem é o motivo pelo qual vivo, esse som faz com que
tudo valha a pena, é ele que quero ouvir todos os dias da minha vida. ―A
Palhacinha abaixou a cabeça ―É importante pra mim.
Uma chama
brilhava nos olhos dela e nem o Leão, com toda a sua arrogância, ousou
menosprezá-la. Na verdade, ela tinha deixado-o sem palavras. Então ele se
dirigiu a uma das fadas mais próximas e perguntou:
―Do que
tanto riem?
A
Palhacinha sorriu feliz sem entender exatamente o por quê daquela felicidade,
ela não se dava conta de que o Leão estava fazendo aquilo por ela.
Nunca o
Leão havia se importado com coisa alguma além dele mesmo, a vaidade lhe cegava
não permitindo que ele visse o mundo e as pessoas ao seu redor. Mas agora ele
sentia um formigamento no peito que ele não sabia o que era ou de onde vinha,
pensou até que estivesse doente, mas não estava. O motivo daquela sensação era
preocupação com os sentimentos da Palhacinha. E ela nem notava a mudança
radical provocada no Leão, estava encantada demais com a sua atitude para
perceber.
―Rimos de
vocês. Nunca vimos casal mais improvável, um leão que se diz rei, mas foi
desafiado por uma palhaça e a própria que é uma piada por si só.
O Leão
rugiu feroz tão furioso que não conseguiu dizer nada, apesar de sentir-se
machucado pelas palavras da fada, arrastou a Palhacinha dali.
―Não
entendo. Do que eles riem? ―Perguntou ela.
O Leão
olhou triste para a Palhacinha, tentando entender como poderia alguém ser tão inocente.
―Estão
rindo de nós dois.
Ele sentiu
vontade de abaixar a cabeça, mas reis não abaixam a cabeça por mais doloridos
que estejam. Depois de um tempo calada, a Palhacinha disse:
―Não é tão
ruim assim. Seria pior se não sorrissem. São tristes as coisas que não sorriem.
O dia
estava perto de amanhecer quando o Leão e a Palhacinha sentaram no para-peito
da janela. Os primeiros raios de sol já eram visíveis e todos sabem que quando
amanhece o dia de Natal a magia se perde, as pessoas deixam de acreditar. Pela
primeira vez, a Palhacinha não sorria.
―O que há
com você? Exijo saber!
―Eu sou uma
palhaça, faço as pessoas rirem, mas estou com medo. Quando eu tiver triste...
―Como
agora?
―Sim, como
agora, quem vai me fazer sorrir?
O Leão
olhou em seus olhos ao responder.
―Seus
amigos acho.
―O que são
amigos?
O Leão
pensou e pensou, e não conseguiu achar a resposta, pois ele próprio não tinha
amigos.
―É
complicado... ―Respondeu ele, finalmente.
A
Palhacinha voltou a sorrir, desta vez com os olhos e com o coração.
―Quer ser
meu amigo?
Mais tarde
enquanto guardava os brinquedos nas caixas antes de seus pais acordarem, o
menino traquina percebeu que o rosto do Leão estava banhado de orvalho. Ou
seriam lágrimas? Ele não saberia dizer. "
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